Síria de volta ao tabuleiro

O encontro ocorrido nesta semana em Damasco, reunindo, ao presidente da Síria, os representantes de França, Turquia e Catar, revela duas tendências que vêm surgindo na política internacional – especialmente no que diz respeito ao Oriente Médio. De um lado, vê-se a participação de novos atores mediando os processos de paz, tais como Catar, França e Turquia, que procuram compensar a ausência dos Estados Unidos como mediador dos conflitos da região. Por outro lado, vê-se a Síria buscando uma aproximação com o Ocidente, em busca de um acordo de paz com Israel e a aceitação de seu regime por parte das potências ocidentais.
Participaram da reunião na capital síria o presidente francês Nicolas Sarkozy, o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, e o Emir Hamad bin Khalifa al-Thani, do Qatar, além do anfitrião, o presidente sírio Bashar al-Assad (na foto, com Sarkozy) – todos eles movidos por interesses próprios, como bem manda a regra de ouro da realpolitik. Para o presidente francês, que se considera um "bom amigo de Israel”, a preocupação é justamente com a possibilidade de existência deste país, pois apenas se forem solucionados os conflitos com Líbano e Síria, diminuídas as tensões com o Irã, e criado um Estado palestino viável, Israel terá a possibilidade de uma existência como nação digna e não mais como um pária internacional. (Infelizmente, o tempo vem se tornando cada vez mais escasso para tal solução, uma vez que continua se concretizando a anexação do território palestino por meio da construção do muro de separação.) Para o Catar, pequeno e rico emirado do Golfo Pérsico, o interesse é com a própria pacificação regional, única possibilidade de que os proventos do petróleo venham a construir uma sociedade mais justa e avançada naquela região – além do fato de que novos conflitos, sobretudo se envolverem o Irã, terão conseqüências desastrosas para a economia e sociedades locais. Quanto à Turquia, também pesa o fato de que qualquer nova erupção de violência do Oriente Médio pode trazer conseqüências sobre o país – que mantém relações simultâneas com Síria e Israel, tornando-se um mediador natural para as negociações informais que vêm ocorrendo entre estes.
Além dos interesses próprios de cada um dos envolvidos, em comum há a preocupação com o vácuo de poder surgido com as políticas incorretas (e, nestes últimos meses, a ausência de políticas) por parte do governo estadunidense. De fato, após ter exacerbado as tensões regionais com a invasão e destruição do Iraque, os Estados Unidos e seu presidente impopular e em final de mandato vêm mantendo uma perigosa abstenção em relação aos demais conflitos da região – isolando a Síria, o Irã e o Hamas, e ignorando o continuado regime terrorista de Israel, com o contínuo massacre do povo palestino e anexação de suas terras. Os quatro líderes que se reuniram em Damasco, assim, procuram criar uma agenda positiva nas negociações de paz de maneira a que o próximo presidente estadunidense e o próximo primeiro-ministro israelense não possam ignorá-la.
Quanto à Síria, é reconhecidamente um ator importante em qualquer tentativa de pacificação do Oriente Médio. Suas políticas regionais, entretanto, buscando hegemonia sobre o Líbano e apoiando os grupos de resistência palestinos que combatem Israel, acabaram por levar a seu isolamento por parte dos Estados Unidos – o que, por sua parte, reforça as políticas “anti-sionistas” e “anti-estadunidenses” do presidente sírio. Disposto, porém, a romper o isolamento, Bashar al-Assad busca retornar a Síria a uma posição de importância na região, beneficiando-se das relações mais regulares com o mundo ocidental que podem advir de um acordo de paz com Israel – embora seja pouco provável que o governo sírio abandone o apoio à resistência palestina, tornando óbvio que somente a retirada israelenses dos territórios ocupados e a criação de um Estado palestino viável podem definitivamente pacificar a região.