Geórgia e Rússia: mais uma guerra pelo óleo

Surpreendeu a todos ver nas primeiras páginas dos jornais, no primeiro dia das Olimpíadas, a manchete “Rússia invade Geórgia”. Uma nova guerra havia começado, justamente quando todos os olhos estavam voltados para uma festa que celebra a harmonia entre os povos. Uma nova guerra com um velho conhecido: o controle dos recursos energéticos do Mar Cáspio, cujas reservas de gás natural e petróleo são equivalentes ou superiores às do Oriente Médio.

Os países do Mar Cáspio entraram em evidência como produtores de petróleo e gás natural após a desintegração da União Soviética, quando empresas e capitais russos e ocidentais iniciaram a exploração nas águas territoriais de Azerbaijão, Turcomenistão e Cazaquistão. Surgiu então o problema de como transportar estes produtos para os mercados consumidores (leia-se Europa e China).

Até o ano de 2006, havia três maneiras de se exportar o gás natural e petróleo produzido no Mar Cáspio:
1) em direção ao Norte, pelo sistema Atyrau-Samara, sob controle integral russo;
2) em direção ao Sul, pelo sistema Neka-Tehran, sob controle integral iraniano;
3) em direção ao Noroeste, pelo Caspian Pipeline Consortium (CPC), de capitais russos e ocidentais, conectando Turcomenistão, Rússia e Ucrânia (ver mapa adiante; clique sobre o mapa para ampliar).

Procurando fugir à dependência russa e iraniana, formaram-se dois consórcios de empresas ocidentais visando construir duas outras rotas de exportação do petróleo e gás do Mar Cáspio:
1) em direção Sudeste, via Turcomenistão, Afeganistão e Paquistão, atingindo o Mar Arábico (Oceano Índico) junto à entrada do Golfo Pérsico;
2) na direção Oeste, via Azerbaijão, Geórgia e Turquia, atingindo o Mar Mediterrâneo e o sistema de gasodutos e oleodutos europeu.

No primeiro caso formou-se a UNOCAL, consórcio constituído predominantemente por petrolíferas estadunidenses. Esta, ao iniciar a construção do sistema de dutos (TAP), deparou-se com a oposição do governo afegão do Talebã – que contraditoriamente havia chegado ao poder com o apoio estadunidense, pois à época o que se visava era a destruição da hegemonia soviética na região, ainda que à custa da criação de um novo monstro. A restrição talebã aos projetos da UNOCAL levou aos fatos que todos nós já conhecemos: os auto-perpetrados atentados de 11 de setembro de 2001 e a subseqüente invasão estadunidense do Afeganistão, com a destituição do Talebã e implantação de um governo fantoche controlado por Washington. Nova contradição: devido ao permanente estado de guerra em que se encontra o país há seis anos, ainda hoje não se conseguiu construir o oleoduto projetado.

No segundo caso, formaram-se dois consórcios (BTC / SCP) com a participação de empresas européias e estadunidenses, dando-se início em 2002 à construção do sistema Baku-Tiblisi-Ceyhan, que liga o Azerbaijão à Turquia, e que entrou em operação em junho de 2006 (ver mapa ao lado). Visando evitar a volátil Armênia (ex-república soviética plena de movimentos separatistas), os dutos percorrem uma trajetória mais longa, e numa grande curva ao norte atravessam a Geórgia (ex-república soviética plena de movimentos separatistas).

Desde o fim da União Soviética, o governo da Geórgia encontra-se sob influência estadunidense – para não dizer controle. Seu governo ditatorial (contraditoriamente!), ao massacrar os grupos separatistas, fornece a justificativa que a Rússia necessitava para iniciar uma guerra contra sua ex-república – pois se verifica, sob Putin (e Medvedev), um desejo de fazer renascer o gigante soviético. O controle da distribuição e comercialização do petróleo e do gás natural do Mar Cáspio, assim, passaria quase completamente às mãos russas (o restante permanecendo com o Irã), tornando grande parte da Europa dependente dos novos projetos hegemônicos da antiga superpotência. Um eventual cessar-fogo entre Geórgia e Rússia, portanto, não encerra o conflito – apenas adia a conclusão de uma guerra que ainda deve tirar a vida de muitos inocentes em nome dos grandes interesses energéticos mundiais.

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O mapa ao lado (clique para ampliar) dá uma boa idéia de como os conflitos no Iraque, Afeganistão, Geórgia, Chechênia, e provavelmente Irã, relacionam-se ao controle das três maiores reservas mundiais de petróleo e gás natural: Mar Cáspio, Irã-Iraque, Golfo Pérsico. O sistema de dutos ligando Azerbaijão à Turquia, embora no mapa ainda apareça como “projetado”, entrou em operação no ano de 2006. Já a saída “afegã” não consegue ser concretizada. Repare na grande quantidade de bases aéreas e navais estadunidenses na região (e inclua mais algumas no Iraque, pois o mapa está defasado).

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