Uma surpresa muito esperada

O ataque do Hamas a Israel, com o assassinato e rapto de seus cidadãos, surpreendeu por sua violência e pelo número de mortos e capturados entre os israelenses. Há de se recordar que nos quinze anos anteriores (desde que o Hamas assumiu o controle interno da Faixa de Gaza, por sua vez mantida sob estrito bloqueio terrestre, aéreo e naval israelense, com a conivência egípcia), os conflitos na Faixa de Gaza e adjacências haviam deixado 308 israelenses mortos, sendo a maioria militares, enquanto em um único dia o Hamas provocou a morte de mais de 1.000 colonos sionistas (o número ainda não é precisamente informado). Por outro lado, devemos lembrar que no período citado acima houve a morte de 6.407 palestinos e outros 152.560 ficaram feridos – números que guardam a razão de 21 palestinos mortos para cada israelense, o que vem sendo uma constante no conflito desde o final dos anos 1960 (e que prenuncia uma matança a ser realizada em Gaza como vingança israelense).
O que não surpreendeu foi a nova onda de violência, pois há décadas os palestinos (a maior parte dos quais refugiados de guerras anteriores contra Israel) vivem em condições sub-humanas na Faixa de Gaza, e reivindicam as terras que lhes foram tomadas pelos sionistas para a criação de seu estado independente. O fundamental a se considerar em qualquer análise deste conflito é que a Guerra da Palestina é na verdade uma guerra de independência contra uma ocupação colonial ilegal (segundo a ONU), como ocorreu em tantos países da África e da Ásia a partir dos anos 1950, quando soçobraram os impérios coloniais, sobretudo da Grã-Bretanha e França. A particularidade, devida ao fato de o movimento sionista ser simultaneamente colonialista e nacionalista (o que é uma contradição), é que a “metrópole” colonial encontra-se transplantada para a colônia. 
Ainda como motivador do ataque do Hamas, deve-se considerar que nos últimos meses o governo liderado pelo primeiro-ministro israelense vem endurecendo a repressão contra os palestinos na Faixa de Gaza, em Jerusalém e na Cisjordânia, limitando ainda mais seu movimento, promovendo novas ocupações do território palestino, e insistindo na política de assassinato e aprisionamento de palestinos – apenas neste ano de 2023 mais de 200 civis palestinos já haviam sido mortos pelo exército israelense na Faixa de Gaza.
Se muitos foram tomados de surpresa pelo ataque, isto se deve ao duplo padrão da mídia tradicional, que ignora a morte cotidiana de palestinos, mas não a de israelenses. E considera o Hamas terrorista, mas ignora que a estratégia (condenável) usada neste ataque – o assassinato e o sequestro de civis, levados para o outro país – é exatamente aquela que vem sendo usada pelo governo israelense há muitas décadas (os números mais recentes indicam quase 5.000 palestinos presos em Israel, sendo mais de 500 cumprindo prisão perpétua, e incluindo 40 mulheres e 200 crianças). O governo israelense vem promovendo terrorismo de Estado há décadas, e a reação dos palestinos não pode ser considerada uma surpresa, mas uma reação esperada de quem é expulso de sua terra e permanece para sempre como um não-cidadão, submetido a condições desumanas de sobrevivência. 

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