A Síria de mal a pior

Os últimos dias presenciaram importantes desdobramentos na crise síria, e hoje a queda do ditador Bashar al-Asad parece mais possível do que poderíamos supor alguns dias atrás. Vejamos:

Defecções: A brutalidade com que Bashar al-Asad e seu círculo vêm lidando com a oposição levou alguns importantes membros do governo e militares a renunciar a cargos, abandonar o partido ou a deserdar das forças armadas. Na última semana destacou-se o caso do embaixador sírio no Iraque, Nawaf Fares, que anunciou em 12 de julho que renunciava ao cargo, passando à oposição revolucionária. Além deste, muitos outros ex-aliados de alta patente também estão renunciando e denunciando o regime – estima-se que cerca de vinte generais sírios tenham buscado refúgio na Turquia, e começam a se relatar as primeiras deserções de soldados.   

Combates em Damasco: No domingo 15 de julho os combates chegaram a Damasco. Embora o governo afirme tratar-se apenas da “infiltração de grupos terroristas”, o poderio do material bélico empregado na capital foi o semelhante ao usado em outras cidades do país, como Hama, Rastan, Deraa e Houla – onde 116 pessoas, incluindo dezenas de crianças, foram massacradas no final de maio. O exército vem usando artilharia, tanques e helicópteros nos bairros de onde partiram os ataques do “Exército da Síria Livre” contra os postos do regime, provocando grande destruição e causando dezenas de mortes.  

Diplomacia: no plano diplomático, está ficando cada vez mais difícil para a Rússia e a China continuarem a vetar resoluções do Conselho de Segurança da ONU que autorizem o uso da força contra o regime de Assad. Em 9 de julho, o governo russo anunciou que estava suspendendo a entrega de aviões que já haviam sido prometidos a Damasco, e encerrando qualquer negociação sobre novos suprimentos de armas. Tal iniciativa procura desarmar (com o perdão do trocadilho) o discurso dos que consideram que o interesse do Kremlin na manutenção do regime de Assad está ligado apenas à venda de equipamentos bélicos russos aos sírios. Revela-se entretanto o verdadeiro interesse russo em vetar a intervenção na Síria: não se trata de garantir a venda de armas, mas de enfraquecer a tese da intervenção para a derrubada de “governos ilegítimos” ou para a “proteção dos direitos humanos”, o que poderia respingar no eterno conflito da Rússia com as nacionalidades que lhes são submetidas.

Atentado: A explosão que ontem (18 de julho) matou quatro importantes membros do regime de Bashar Al-Assad pode significar uma importante mudança nos rumos do conflito. Entre os mortos encontra-se o todo-poderoso General Assef Shawkat, (cunhado de Assad e, junto com este e seu irmão Maher, um dos três mais importantes nomes do aparato militar), além dos ministros da defesa e do interior, e de um importante assistente presidencial, que se encontravam reunidos para discutir as medidas de repressão à revolução em curso. O regime foi atingido em seu núcleo, evidenciando-se que a oposição é muito mais forte do que podia prever Assad, e já consegue atuar no interior do próprio aparato de segurança do ditador.
Perspectivas: Infelizmente para a Síria e para os sírios, mesmo a perspectiva de remoção de Assad não é positiva para o país. A oposição ao regime não é unificada, e ainda há uma importante parcela da população e dos militares que apoia o presidente. Além disso, o país sofre uma importante pressão causada por atores externos (tais como o Irã e Israel), encontrando-se ainda no centro da “Guerra Fria” que as atitude de Putin vêm fazendo ressurgir. É possível imaginar a formação de um “governo de união nacional” que encerre imediatamente os conflitos e inicie um processo de democratização que assegure o caráter laico do Estado, mas também é possível imaginar que as empresas capitalistas abrirão mão de seus lucros em favor das populações pobres e miseráveis do mundo. É mais razoável, entretanto, prever a “iraquização” do país, como aconteceu no país vizinho, que após ser devastado pelos Estados Unidos e ter seu malvado ditador derrubado e sacrificado, jamais encontrou a paz, vivendo em estado de constante conflito sectário e civil. Tristes tempos para os árabes.

Um comentário:

Beatriz disse...

Com certeza é com consternação e revolta que assistimos estes "tristes tempos para os árabes". Deus ilumine a mente dos governantes árabes e proteja seus povos de falsas democracias.Beatriz.